8 de fevereiro de 2012

88 - ALEX entrevista PADRE MARCELO BARROS

Ele é pernambucano de Camaragibe.
Ele é monge beneditino, escritor, biblista e teólogo.
Aos 18 anos ingressou no Mosteiro dos Beneditinos de Olinda.
Mesmo os Beneditinos tendo uma tradição de serem ecumênicos, nosso entrevistado pediu em sua ordenação que pudesse visitar cultos de outras igrejas e religiões.
Ele foi ordenado padre em 1969 por Dom Hélder Câmara.
De 1967 á 1976, ele trabalhou ao lado de Dom Hélder.
Foi secretário e acessor do arcebispo para assuntos ecumênicos.
Foi Prior do Mosteiro da Anunciação do Senhor em Goiás.
Ele é um dos três latino-americanos da Comissão da Associação Ecumênica dos Teólogos do 3º Mundo (ASETT)
Ele coordena uma coleção sobre a Teologia do Pluralismo Religioso e um Cristianismo aberto a outras culturas e religiões.
No âmbito da Teologia da Libertação, ele desenvolveu um ramo próprio: a Teologia da Terra.
É Acessor das Comunidades Eclesiais de Base.
Foi por 14 anos do Secretariado Nacional da Pastoral da Terra (CPT), ligada á CNBB.
Depois disso foi Acessor da Pastoral da Terra por vários anos.
Hoje ele é Acessor Nacional do MST e de outros movimentos populares.
Em Recife, á nível regional, é Acessor do MTC - Movimento de Trabalhadores Cristãos. 
É fundador com Frei Carlos Mesters e outros, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI).
É convidado para falar em diversos países sobre ecologia e espiritualidade holística.
É articulista em revistas nacionais e internacionais.
Semanalmente publica artigos sobre espiritualidade ecumência no jornal "O Popular".
Até o momento já publicou quase 50 livros, traduzidos para diversas línguas.
O nome do nosso entrevistado de hoje é o Padre Marcelo Barros, ou como ele próprio gosta de ser chamado, de apenas Marcelo Barros.

ALEX - Olá Marcelo tudo bem? Você é um monge beneditino católico apostólico romano?

MARCELO - Sim, sou cristão de tradição católica e nessa tradição, vivo desde os dezoito anos como monge beneditino.

ALEX - Quem lhe ordenou foi Dom Hélder Câmara?

MARCELO - Como sou natural do grande Recife (Camaragibe) e era na época (1969), monge beneditino no Mosteiro de Olinda e Dom Hélder era o arcebispo de Olinda e Recife, ele me ordenou presbítero (padre) e me convidou para trabalhar com ele ajudando-o no setor do ecumenismo e da pastoral da juventude.

ALEX - Por quantos anos vocês trabalharam juntos?

MARCELO - Durante oito anos.

ALEX - Recentemente um escritor espirita publicou um livro mediúnico, "Novas Utopias", cujo escritor é o próprio Dom Hélder Câmara no além. Você até prefaciou esta obra. Como foi pra você saber notícias de Dom Hélder pós-túmulo?

MARCELO - Trabalho há anos e anos, pela unidade das Igrejas e no diálogo entre as várias tradições espirituais. Por isso, aceitei o pedido do irmão Carlos Pereira para prefaciar o livro que ele apresentou como sendo psicografado pelo espírito de Dom Hélder. Para dialogar, é importante que eu seja eu e você seja você. E eu prefaciei o livro nesse espírito do diálogo. Não me propus nem me foi pedido que eu aceitasse a psicografia ou aderisse ao espiritismo. Não entrei nesse assunto. Para mim o importante é que cada crente se disponha a escutar e acolher o outro e tente aprender do outro alguma coisa, mas sem deixar de ser ele mesmo. Sou cristão católico e escrevi como um exercício de diálogo com meus irmãos espíritas, aos quais estimo e prezo muito, mas sem por isso dever aderir a eles. Parece que isso não foi compreendido nem por católicos que me a cusaram de traição à Igreja, nem por espíritas que se utilizam do meu gesto de amor para ver nele uma adesão à doutrina espírita, que, em nenhum momento do meu prefácio, aparece. (O prefácio escrito por Marcelo encontra-se ao final desta entrevista em anexo). Quanto a notícias de Dom Hélder pós-túmulo, não me parece que tenha sido nem o assunto do livro. Era um livro sobre valores que Dom Hélder defendeu durante toda a sua vida: a paz, a não violência, a justiça, a fé e em nenhum momento ao que me lembro o livro fala dele mesmo depois da morte.

Livro psicografado por Dom Hélder
ALEX - É verdade que a renda obtida com a venda deste livro será toda revertida á Sociedade Espírita Ermance Dufaux e ao Instituto Dom Helder Câmara, de Recife? Você acredita que a Igreja esteja se aproximando mais do Espiritismo?

MARCELO - Não estou a par de nada sobre a venda do livro nem em que está sendo aplicada. Sei que alguns irmãos e irmãs do Instituto Hélder Câmara me criticaram muito por ter feito esse prefácio, o que é direito deles e eu respeito. De qualquer modo, somos irmãos e irmãs. Quanto a dizer que a Igreja esteja se aproximando do Espiritismo, me parece que se for para a Igreja aderir ao Espiritismo ou os espíritas aderirem ao Catolicismo, estamos falando de conquista e não de diálogo ou de unidade. E isso eu não quero e nem defendo. Só acredito na Unidade através da diversidade e do respeito às diferenças entre cada um...

ALEX - Concordo...

MARCELO - ...No século III, São Cipriano de Cartago dizia: "A unidade abole as divisões e supera a separação, mas respeita as diferenças". Penso que as pessoas verdadeiramente espirituais, tanto católicas, como evangélicas, buscam isso e não a adesão de uma a outra. Como se as religiões fossem firmas comerciais (Coca Cola contra Pepsi Cola) ou times de futebol que ora ganham, ora perdem campeonatos para saber entre eles qual se impõe ao outro. Isso não é espiritual e nem ético.

ALEX - No prefácio do livro aparece também o aval do filósofo e teólogo Inácio Strieder, e a opinião favorável da historiadora e pesquisadora Jordana Gonçalves Leão, ambos ligados à Igreja Católica. Eles afirmam que "os tempos são chegados"?

MARCELO - Repito algo que me parece óbvio: tanto o amigo teólogo Inácio Strieder como outras pessoas que trabalham no diálogo, defenderam o direito do médium Carlos Pereira escrever o livro e eu como católico propor que uns crentes leiam o livro do outro e não só dos seus próprios companheiros de Igreja. Pelo que sei, nenhum deles falou em defender a adesão à doutrina espírita como tal, como nunca defenderiam que espíritas aderissem ao catolicismo. O contrário disso seria uma volta ao tempo das cruzadas e inquisições, só que dessa vez, não só feitas pela hierarquia católica medieval e sim pelos religiosos que se dizem abertos e modermos. Sou contra qualquer tipo de proselitismo e conheço muitos bispos e teólgoos católicos que têm boa relação com irmãos espíritas no espírito do diálogo e não para ver quem conquistou quem. Isso deixemos para filmes medievais e para grupos proselitistas e fundamentalistas atuais.

ALEX - Você é biblista, sendo assim, gostaria que você comentasse algo á respeito da reencarnação na Bíblia.

Monge beneditino Marcelo Barros
MARCELO - A Bíblia vem de uma antiga cultura semita (hebraica) que não divide o ser humano corpo e espírito e nunca poderia falar desse assunto, como depois a cultura grega será capaz de falar porque justamente a filosofia platônica divide a pessoa em corpo e alma e o mundo em material e espiritual. Penso que não devemos fazer leitura fundamentalista (fanática ao pé da letra) da Bíblia. Nesse sentido, nem os católicos podem querer condenar a reencarnação baseados em textos bíblicos que não falavam em princípio desse assunto, nem os espíritas usarem ao pé da letra certos textos para dizer que ali se falava em reencarnação. Não creio que ninguém ganhe com o fato de querer provar que Jesus disse que João Batista era Elias reencarnado e assim por diante. Se eu creio ou não creio em reencarnação, não preciso da Bíblia para referendar ou legitimar iss o. A Bíblia não fala de tudo e nem pretende ser um livro dogmático sobre todos os assuntos da fé.

    Quando o povo de Israel foi conquistado pelos impérios orientais e depois por Alexandre Magno, século IV antes de Cristo, aí sim entrou em contato com o helenismo e mais tarde com o gnosticismo. Aí sim em alguns círculos judaicos populares, há sinais de que acreditavam em crenças sincréticas que tinham certo conceito de reencarnação ou metempsicose oriental. Como também a noção neotestamentária da ressurreição vem daí. Na história da Igreja, alguns filósofos e teólogos parecem ter admitido, ao menos em algum período de vida, a possibilidade da reencarnação (Orígenes, por exemplo, no século III). Como a polêmica era muito forte e a repressão dogmática muito grande, isso não é um assunto claro. Nos anos recentes, teólogos cristãos do mundo inteiro dedicaram um número da revista teológica Concilium ao tema "Reencarnação ou Ressurr eição" e o artigo que concluía os vários estudos era de que talvez as duas crenças não sejam tão contrárias e excludentes como a Igreja Católica acreditava durante séculos. Não é meu assunto aqui e não posso nessas linhas explicar isso. O que quero deixar claro é que não tem sentido ser intolerantes uns com os outros nem achar que o melhor é quando uns aderem aos outros. Podemos ser irmãos e unidos sendo diferentes.

ALEX - Excelente sua explicação e "quem tem ouvidos para ouvir" saberá entender o que você nos passou nesta sua resposta. O melhor mesmo é termos convicção de nossa fé e não ficar "esfregando" a bíblia na face de ninguém, querendo competir, não é Marcelo? Interessante o que você disse de talvez as duas crenças não serem tão contrárias como a Igreja acreditava durante séculos. E ainda no assunto bíblia, lhe faço outra pergunta: Nela há uma passagem em que Jesus foi á sinagoga e viu um "homem possuído". Como assim?

MARCELO - Na cultura de Jesus, toda doença vinha de um espírito mau ou energia negativa. Naquele tempo, uma pessoa epiléptica estava possuída por um demônio. Como hoje, em geral, eram chamados de endemoniados os pobres e marginais. Pecador não era uma categoria moral. Era social. Jesus libertou essas pessoas integrando-as na sociedade e revelando a elas o amor prioritário de Deus pelos pequeninos e oprimidos.

Padre Marcelo Barros
ALEX - Eu já estive ligado ao MST e entendo quando você fala da parte espiritual existente naquele grupo. O que você poderia nos dizer sobre este movimento, sobre a Pastoral da Terra e sobre o querido Dom Pedro Casaldáliga?

MARCELO - A coisa mais importante da mensagem de Jesus é que Deus tem um projeto para o mundo e esse projeto é de paz, justiça e amor para todos. "Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (João 10, 10). Acredito que o MST como movimento popular autônomo (não é cristão e nem de Igreja), ao lutar pacificamente pela justiça no campo e para que a terra seja de todos, pela ecologia e pela agricultura familiar, testemunha profeticamente esse projeto divino de um mundo novo possível, mais do que trabalhos de Igrejas voltados só para a própria Igreja. Assim também é a Pastoral da Terra que ajuda as Igrejas cristãs a servirem ao povo do campo e salva muitas vidas. Dom Pedro Casaldáliga é um irmão e profeta que doou toda a sua vida ao povo pobre e aos índios. Quem o conhece tem a graça de conhecer um verdadeiro discípulo de Jesus e que, em sua bondade, revela a bondade divina.

ALEX - E seus livros, quantos você já escreveu?

MARCELO - Isso não é importante! Tenho 44 livros publicados no Brasil e alguns outros publicados em outros países. Mas o importante é se tenho servido às pessoas e ajudado meus irmãos e irmãs a serem mais felizes e livres.

ALEX - É importante sim (risos) e você tem servido ás pessoas sim! Falando em livros: "O Espirito vem pelas águas"?

Capa do livro
MARCELO - É o título de um livro meu, publicado pela Edições Loyola, em 2003. É tirado do primeiro versículo da Bíblia: "No princípio, Deus tinha criado o céu e a terra e o Espirito de Deus pairava sobre as águas". No hebraico, espírito é uma palavra feminina (ruah) e quer dizer ventania, sopro. Seria o que chamamos de "energia". As religiões antigas acreditavam que a vida surgiu em primeiro lugar das águas e por isso o Espírito vem pelas águas. Dei esse título ao livro para falar da atual crise da água e propor um cuidado maior com a água que é um bem universal e deve ser gratuito e direito de todos e nunca deveríamos permitir que a água seja privatizada ou mercantilizada como está acontecendo hoje em todo o mundo.

ALEX - Falando em espíritos, você já viu algum espírito materializar-se em sua frente?

MARCELO - Depende do que chamamos de "espírito". Já vi sim materializar-se em minha frente o espírito de amor, de solidariedade, de compaixão, como também já vi em um policial batendo em um homem de rua, a materialização de um espírito mau. Mas, no sentido que parece você me perguntar, não. Nunca vi um espírito de pessoa já falecida se materializar em minha frente. Respeito quem tenha visto e nunca negaria isso. Só não é essa a minha experiência e nem preocupação.

ALEX - Você sempre é criticado por defender o diálogo religioso com o Espiritismo, o Candomblé, a Umbanda...O Vaticano alguma vez já se pronunciou diretamente á você sobre estas questões?

MARCELO - Como muitos outros companheiros e companheiras, defendo que a diversidade das religiões é boa e fecunda para todos e que cada uma tem sua contribuição a dar para a humanidade. Diretamente nunca fui chamado ao Vaticano. Sei que os documentos do Papa e do Vaticano defendem o diálogo entre as religiões. Pessoalmente, nisso, sigo o evangelho de Jesus e procuro me inserir na minha Igreja local (A Igreja universal não é uma multinacional da fé dirigida pelo Vaticano, ou ao menos não deve ser. Deve ser uma comunhão de Igrejas locais autônoma).

Papa João Paulo II com Dom Hélder Câmara
ALEX - O Papa João Paulo II, ele queria difundir o Ecumenismo?

MARCELO - Ele fez vários gestos nesse sentido e escreveu uma encíclica chamada "Para que todos sejam UM" que inclusive pede aos irmãos de outras Igrejas que o ajudem nessa tarefa. Várias vezes, enfrentou a estrutura fechada do Vaticano, por exemplo, para convidar líderes religiosos de várias tradições espirituais para junto com ele fazerem uma peregrinação a Assis e se encontrarem lá para orar pela paz do mundo (1986).

ALEX - Que interessante. E o que é a Teologia da Libertação?

MARCELO - É o esforço para pensar a fé cristã a partir dos mais pobres e ligar o compromisso de crer com o de transformar o mundo de acordo com o projeto divino.

ALEX - Para finalizar nossa extensa entrevista, peço-lhe encarecidamente para deixar uma mensagem á todos os nossos leitores.

MARCELO - Para quem é de Deus, nada do que é humano pode ser estranho. Essa palavra de um espiritual do século III, diz para que nosso caminho seja de busca espiritual e de comunhão. De qualquer tradição espiritual que sejamos, o importante é nos colocarmos a serviço uns dos outros e ajudar nossa religião a dar uma verdadeira contribuição para que esse mundo seja mais justo e de paz.

Padre Marcelo Barros
ALEX - Querido irmão Marcelo, muito obrigado pela atenção, que Jesus continue a lhe abençoar nesta sua missão ecumênica e até a próxima! 

MARCELO - Cada um(a) de nós é portador(a) do Espírito e este precisa de nós que testemunhemos que esse Espírito é amor e vive em nós. Um teólogo cristão dizia que cada pessoa só pode reconhecê-lo presente no outro. Isso quer dizer que eu creio que ele está em mim sim, mas eu só o percebo se perceber em você e do mesmo modo você pode percebê-lo em mim e não em você mesmo. Isso eu creio que vale para o plano pessoal, mas também vale para o plano confessional. Peço a Deus para que nos ilumine para que possamos vislumbrar e contemplar essa ação e presença do Espírito Divino nas pessoas de outras religiões e nos grupos que pensam diferentemente de nós. Isso não nos levará a deixar nossa fé e tomar a dos outros, mas nos ensinará a viver a nossa de forma mais dialogal e universal. Obrigado pela oportunidade de conversar com vocês e que Deus abençoe á todos e á todas com sua ternura de amor e a alegria de sermos sempre e sempre mais livres interiormente.


Prefácio de Marcelo Barros no livro "Novas Utopias", obra psicografada por Carlos Pereira, pelo espirito Dom Hélder Câmara. Onde nosso entrevistado esclarece alguns pontos comentados por ele nesta nossa entrevista.


A luz que vem do outro

(Prefácio)

Marcelo Barros


   Todo livro é um diálogo entre quem escreve e quem lê. Entretanto, este que, agora, você tem nas mãos é, certamente mais ainda uma proposta espiritual de diálogo porque o autor o apresenta como um livro psicografado. De acordo com ele, tem um autor espiritual que é Dom Helder Câmara e este o ditou ao irmão Carlos Pereira, que, no caso seria apenas um fiel intérprete e obediente escrivão destas páginas do Dom.

   Prefaciar um livro é referendá-lo e aceitar ser para o autor como um paraninfo que o introduz em um novo círculo de relações. Normalmente quem faz o prefácio é sempre um autor mais famoso e consagrado que apresenta aos leitores um outro que precisa ser apresentado. Ao pensar que o autor deste livro é meu mestre e pastor Dom Helder Câmara, senti-me incapacitado de escrever um prefácio para esta obra. Entretanto, o irmão Carlos Pereira me pediu e ele deve saber o que está fazendo. Quando o mistério é grande demais, o jeito é deixar-se envolver por seu encanto e buscar espiritualmente a lição que Deus nos dá através do desconhecido. A realidade tem sempre diversas faces e epifanias. O mesmo fato pode ser visto e interpretado, ao menos, por dois ou mais lados. O Judaísmo acredita que tudo na Bíblia, até a lei divina, é passível de interpretações divergentes. Conforme a tradição judaica, um dia, um discípulo perguntou a um santo rabino porque, no monte Sinai, para escrever sua lei, Deus precisou de duas tábuas de pedra e não só de uma única. O rabino respondeu:

- Para que se saiba que há, ao menos, duas interpretações válidas para cada lei.

   Quem, em sua fé, aceita o fenômeno da psicografia, não procura provas nem busca semelhanças entre este escrito e as muitas obras que, no tempo em que estava conosco, o Dom nos deixou. Acolhe simplesmente e gratuitamente esta obra e aproveita as lições espirituais aqui contidas. Quem rejeita tal interpretação e não crê em psicografia pode, assim mesmo, ler este livro como herança espiritual de Dom Helder, pois se situa na mesma tradição da espiritualidade da paz, da não violência e da solidariedade que o Dom sempre nos ensinou.

   Em 1994, Dom Helder escrevia a amigos da Itália, reunidos no movimento Mani Tese (“Mãos estendidas”): “Não estamos sós. Por isso, não aceito a resignação e o desespero. A fome será vencida. No final, haverá paz para todos. Neste universo, a última palavra nunca poderá ser a morte e sim a vida! Não poderá ser o ódio, mas o amor! Não poderá ser o desespero, mas a esperança. Nunca as mãos enrijecidas, fechadas no ódio. Mãos estendidas e unidas na solidariedade e no amor para com todos”.

   Aqui, nestas páginas o estilo e o conteúdo mais expresso podem parecer diferentes do que Dom Helder escrevia, assim como os destinatários desta obra não são mais apenas os que o escutavam em sua peregrinação terrena. Dom Helder sempre insistiu que a unidade não só respeita as diferenças, mas pode delas nutrir-se. O amor pode transformar as diferenças em complementaridade. Para ele, o Diálogo é elemento intrínseco e essencial a toda religião e nos faz repensar nossa idéia de Deus e de espiritualidade. Por isso, ser solidário é o modo normal da pessoa viver no mundo e ser feliz, como dizia o monge Thomas Merton: “Nenhum ser humano é uma ilha”. É a base mais viável para construirmos sociedades firmadas sobre a defesa intransigente e permanente dos Direitos Humanos. Somos felizes por viver em um mundo, no qual estes caminhos nos são abertos.

   Para mim que quero consagrar-me e doar a minha vida a esta causa do diálogo e da unidade entre os diferentes, este livro me toca porque, lendo além das linhas e entre-linhas, sinto como se a sabedoria aqui transcrita, não vem apenas de Dom Helder e menos ainda do Carlos Pereira. São inspirações do Espírito Divino, energia de paz, que “sopra onde quer, ouve-se a sua voz, mas não sabe para onde vai nem para onde vem” (Jo 3, 7ss). A mim, cristão, cada página, aqui transcrita por Carlos, sussurra um nome que me leva ao Infinito: Jesus de Nazaré. Mas, me leva também a outros nomes que são sinônimos de amor e de paz, nas mais diferentes religiões e diversas culturas: Confúcio, Buda, Maomé, Zumbi dos Palmares, Maíra. Que riqueza. Nenhum mortal pode amordaçar a ventania. O mistério é nossa Paz e os caminhos religiosos, se conseguem sê-lo, podem apenas ser nossas parábolas de amor. Como, no século IV, escreveu Agostinho: “Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Dêem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer” .

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5 comentários:

Anônimo disse...

muito bom, parabéns pela excelente e esclarecedora entrevista...

REPIQUES disse...

Caro Alex, parabens pela entrevista e tenho a comentar a percepção do quanto a igreja catolica, atraves de seu dogmatismo pragmatico, pressiona seus adeptos a constrangimentos desnecessarios, quando estes tem opiniões que conflitam com os interesses religiosos do catolicismo. O Padre Marcelo Barros falou " pisando em ovos" na entrevista mas, seu prefacio no livro ditado por Dom Elder Camara esta bem clara e definida sua posição religiosa.
Parabens.
Custodio

Geziel Andrade disse...

Prezado amigo Alex. Parabéns pela entrevista muito oportuna e que reflete bem o espírito cristão e fraterno dos espíritas e do entrevistado. Penso que a sua iniciativa revelou o seu espírito aberto com todos os irmãos. Com estima, Geziel.

Alex S. C. Guimarães disse...

Querido irmão Anônimo, agradeço seu comentário e parabenização. Caro amigo Custódio, realmente o prefácio dele valeu mais que pela entrevista (risos), pois não sou um bom entrevistador, poderia ter feito outras perguntas! Querido amigo Geziel, realmente sou muito aberto nas questões religiosas e pretendo fazer mais isso em nosso blog, vamos em frente! Abração á todos e obrigado pelo carinho!

Márcia Maia disse...

Que alegria ler esta entrevista. Conheço Marcelo há séculos. Estava na ordenação dele.
Sempre lúcido.

Ando precisando demais falar com ele. Vc tem o e-mail ou telefone dele, Alex? Tomara.

Obrigada e um abraço,

Márcia Maia